No artigo anterior, vimos que a posição minoritária da doutrina, defendida pelo professor francês Raymond Saleilles, alega ser a posse anterior à propriedade.
A partir de agora, veremos a teoria de Friedrich Carl von Savigny, jurista alemão que até os dias atuais influencia o pensamento jurídico, não só no campo do Direito Civil, mas também no Direito Constitucional.
A Posse é posterior à Propriedade
Para Savigny, a posse é posterior à propriedade, tendo sua origem na defesa jurídica das terras conquistadas — as gens latinas, pelo Estado Romano.
Com o processo de expansão de território, Roma, em seu período clássico, séc. XI a.C. ao séc. III d.C., teve dificuldade para manter o controle das terras conquistadas nas batalhas.
A solução era cedê-las aos particulares a título precário, ou seja, dar-lhes a ocupação, porém, podendo retê-las a qualquer momento.
Esse período de aproximadamente 500 anos, chamado de fase áurea, Roma conquistou grande parte do território europeu e realizou importantes conquistas na África, como a cidade-estado fenícia, Cartargo, nas guerras púnicas, por exemplo.
O elemento motivador para o surgimento da posse nesse período era que Roma não podia deslocar o exército para controlar as terras conquistadas, nem tampouco, administrar os maus pagadores de impostos, que eram os povos sobreviventes submetidos ao jugo romano.
Deu-se início então as concessões quiritárias (dominium ex jure quiritium), que exigia a cidadania romana do dono e era defendida pela rei vindicatio, ou como também chamadas de propriedade quiritária.
Essa propriedade também podia ser concedida a um latino ou peregrino que tivesse o “ius commercii”, ou seja, a posse foi uma solução jurídica de ocupação, e para o Estado Romano, diga-se, proteção de território. Que se tornou um privilégio dos cidadãos romanos e daqueles que movimentavam a economia, poupando dessa tarefa, consideravelmente, o exército, de modo que a expansão territorial continuava.
Além da propriedade quiritária, havia outras duas, a provincial, que consistia na propriedade das terras provinciais, também protegida por ações e a pretoriana, não reconhecida pelo jus civile, porém protegida pelos pretores por meio da exceção da coisa vendida e entregue (exceptio rei venditae et traditae) e pela ação publiciana.
Surge uma lacuna normativa nesse período clássico, porque a ação reivindicatória era própria para a defesa da propriedade militar, não existindo uma ação para a defesa das terras particulares concedidas a título precário.
Assim, os pretores (funcionários do Estado Romano) criaram os interditos possessórios para a defesa dessas terras, resultando a posse como um direito, oriundo desses interditos possessórios.
Essas modalidades de exercício de posse tiveram grande influência para o direito, sobretudo, nas ações de usucapião.
No início, a ação de usucapião tinha por objetivo convalidar vícios de legitimação, já que eram exigidas muitas solenidades para a transmissão de bens móveis e imóveis.
Assim, a partir de 528 d.C., Justiniano extinguiu as diferenças entre a propriedade civil e pretoriana (peregrinos), unificando os institutos na usucapião, concedendo ao possuidor peregrino a ação passível de adquirir a propriedade através do decurso de tempo. (Chaves & Rosenvald, 2009)
Savigny, ao analisar a historia, percebe que a propriedade já existia no Estado Romano e a posse foi uma manobra jurídica para auxiliar na estratégia de guerra para a conquista de novas terras e expansão do território romano.
Porém, seu uso prolongado e suas ramificações com o passar do tempo, fez surgir modalidades de direito que até hoje nos influenciam, já que é possível adquirir a propriedade, pelo uso prolongado da posse.
A definição acima é defendida pelo grande jurista alemão. No próximo artigo, ainda sob a alegação de que a posse é posterior à propriedade, veremos a definição adotada por Ihering.